30 de setembro de 2016

0

Contra os assassinos da liberdade



Política é aquilo a que nos destinamos por nossa própria condição enquanto seres precários, afetados e dependentes uns dos outros. Como diz Aristóteles “o homem é um ser político e está em sua natureza viver em sociedade”. Portanto, se a Política tem como fundamento a precariedade humana, a ética psicanalítica tem paralelamente uma ética política: o psicanalista tem como dever combater qualquer discurso dogmático que recuse o direito à singularidade, subjetividade, particularidade. Isso supõe um espaço de liberdade, de democracia, onde valores que preservem a singularidade de cada um sejam afirmados acima de qualquer coisa, um ESTADO LAICO FUNDAMENTALMENTE. 
 
A cidade do Rio de Janeiro está a um passo de eleger, segundo pesquisas, um bispo da Igreja Universal do Reino de Deus, Marcelo CRIVELLA, que aliás, soube hoje, é PRIMO de Edir Macedo, que dispensa apresentações. Não me cabe, nem como pessoa, muito menos como filósofo e psicanalista, discutir credo ou opções religiosas: ser adepto do criacionismo, como no caso de Crivella, é inteiramente de foro íntimo de cada um. Em política, todavia, trata-se não de foro íntimo, pelo contrário, trata-se sim, de FORO PÚBLICO. 
 
De minha parte, penso ser INADMISSÍVEL, por tudo que é notório no tocante aos negócios espúrios e práticas indecentes ligadas a essa EMPRESA - porque é disso que se trata: uma empresa pseudoreligiosa que manipula a fé dos incautos, metendo a fé deles no saco e a mão no dinheiro deles -, que tenhamos como representante da pólis, seja o Rio de Janeiro ou qualquer outra, um avatar do fundamentalismo religioso, altamente conservador (leia-se: que não aceita o que é diferente dele), racista, homofóbico e o que é pior, sem escrúpulos. Ademais, regurgita ardil e sarcasmo bem ao estilo oratório dos pastores da Universal, procurando sempre “dourar a pílula”. A título de exemplo, Crivella fez aliança com o clã de Anthony Garotinho, ex-governador do Rio, já condenado por formação de quadrilha, pretextando que “a política precisa de alianças. Ninguém pode ganhar uma eleição sozinho”. Com isso, conseguiu mais que dobrar seu tempo em televisão. Apenas um detalhe. O grosso da aliança a gente não sabe, ou melhor, sabe. 
 
A Filosofia e a Psicanálise me mostraram na carne que cada um deve ter o direito de inventar o seu modo de ser e “não ceder do seu desejo”, como diz Lacan. Isso implica responsabilizar-se. Responsabilizar-se é não apenas reconhecer o que se diz e assumir o que não se conhece (o desejo), mas também assumir o que se diz e o que se faz diante do OUTRO na pólis. Ou seja, no MEU modo de ser eu ME implico e implico o OUTRO. Bem diz o ditado: “a liberdade de cada um termina quando começa a do outro”. Um professor de Filosofia da Sorbonne, Robert Misrahi, dizia: "pas de liberté aux assassins de la liberté". Ele está certíssimo. Não se deve dar voz a alguém cuja palavra aniquila a liberdade alheia. MUITO MENOS VOTO. 
 
Estamos a poucos dias do primeiro turno das eleições. Quem acompanha meus escritos sabe que não faço panfletagem partidária, tampouco me disponho a convencer nem a demover ninguém. Esforço-me sim, em interpretar com meus olhos o mundo à minha volta, o que requer não somente pensar uma ideia, mas aprofundar-me no próprio terreno onde a ideia se enraíza, e a partir daí, agir. Esse é o esforço do filosofar no sentido da praxis. Pois bem. 
 
Há uma constatação, eu diria até, uma imposição de ordem prática: o candidato Crivella, disparado nas pesquisas, JÁ ESTÁ no segundo turno. Muitos hão de se alegrar com isso, eu não. Sinto-me num impasse. O que fazer diante disso? Sentar e chorar não resolve nada. Ficar martelando nas redes sociais as falcatruas do candidato também não: quem já o escolheu está exercendo o direito que é seu, por motivos que lhe dizem respeito, e nada posso contra isso, senão lembrar o dizer de uma amiga, que publiquei esses dias: "A pessoa põe sabonete na boca; se tirar, ela reclama". 
 
A questão que eu coloco a mim mesmo, e que cada um que não quer Crivella como prefeito do Rio - por entender que a política é fundamentalmente um espaço LAICO, em DEFESA DA SINGULARIDADE de cada um - deve, penso eu, se colocar neste momento é: qual dos candidatos tem MAIS E MELHORES condições intelectuais, emocionais e morais para, num possível segundo turno, combater, como diz meu professor, um “assassino da liberdade”?

Minha resposta é: Marcelo FREIXO. Cada um pense e responda como entender.


Nenhum comentário:

Postar um comentário